3º LUGAR - CONTOS - "NOITE FELIZ" (Andréia Borges da Silva)
Naquela noite, havia muitas sobras.Sobras de comida,sobras de brinquedos.Até de móveis.
Ele remexia de um lado,remexia de outro.
- Opa! Um caminhão para o meu filho.
Continuou revirando o lixo.Era dia 25 de dezembro,à noite.A ceia de natal já tinha acontecido.
Estava acostumado a revirar o lixo daquele prédio.Sabia que,no dia 25,haveria mais sobras do que estava acostumado a encontrar.
Antes de sair do seu barraco,havia prometido ao filho e à esposa que levaria um banquete para a ceia de natal,tardia.
Ivan estava desempregado.Vivia de fazer pequenos "bicos"pela cidade.Sua esposa cuidava da casa e do filho,de 9(nove) anos.De vez em quando, aparecia uma trouxa de roupa para ela lavar.Não recusava trabalho.
Não tiveram ceia de natal.Mal tinham o que comer em casa.
O filho de Ivan estava muito triste por ver seus amiguinhos da comunidade ganhando presentes de natal,enquanto ele não ganhara nada.
Ivan explicou que os pais de alguns amigos estavam trabalhando e que,portanto,tinham dinheiro para comprar presentes para os filhos,enquanto ele estava desempregado, há bastante tempo,vivendo de pequenos biscates,mas que prometia levar um brinquedo para ele,na noite do dia 25.
Ele não queria decepcionar o filho.
- Nem que eu remexa o lixo de todos os prédios da zona sul,mas não volto para casa sem um brinquedo para o meu filho.
Quando encontrou o caminhão,ficou mais tranquilo.Uma parte de sua missão naquela noite estava cumprida.
Faltava encontrar bastante comida para a ceia de sua família.Queria levar uma comida diferente,especial,dessas que só vemos no Natal.
Então,ele voltou a remexer o lixo.
Encontrou restos de bacalhoada.Encontrou também restos de frutas cristalizadas e de castanhas portuguesas.
Um cachorro de rua sentiu o cheiro de comida e apareceu para revirar o lixo com Ivan.
- Companheiro,hoje tem banquete para mim e para você.Não tem miséria aqui,não.
Pegou parte da bacalhoada e deu para o cão,que engoliu rapidamente,pois estava faminto.
Ivan continuou revirando o lixo.O cão também queria encontrar mais comida e ficou por ali.
Ivan achou um resto de arroz todo incrementado.Tratou de dar logo um pouco para o totó,que continuava faminto.
Após algum tempo,achou também um peru de natal inteiro,só estava com uma parte queimada,nada que sua esposa não pudesse resolver,raspando o queimado.
- Companheiro,este peru não vou poder dividir contigo,não.É da patroa.O cão olhava para ele e só sabia fazer cara de faminto.
Encontrou ainda um banco de madeira,que estava em bom estado.Resolveu levá-lo,pra casa, também.Seria o presente da sua esposa.Daria uma boa envernizada e ficaria perfeito novamente.
Um morador do prédio passou por Ivan e sequer olhou para ele.
Estava acostumado com o desprezo das pessoas.Era um morador de comunidade,desempregado e catador de lixo.As pessoas ali da zona sul não costumavam nem olhar para ele.Sentia-se um homem invisível.Achava até melhor assim,pois podia catar o lixo,em paz.
- Que me deixem em paz mesmo!
Havia apenas uma moradora daquele prédio que sempre olhava para Ivan,com olhar de compaixão.Até dava uns trocados para ele de vez em quando.Era a Dona Celeste.Era uma Senhora com olhar bondoso e muito simpática.Devia já estar dormindo naquele horário.
Ivan passou a procurar por sobremesa.Achou um restinho de pavê.Também encontrou um pedaço de panetone.
- Acho que já consegui o suficiente.Hoje a festa lá em casa vai ser boa.
- Totó,não posso te levar pra casa,não.Você vai passar fome.Fica por aqui,que sempre sobra comida desses ricos.
O cão olhava para Ivan como se entendesse,mas não concordasse.Todo mundo o enxotava, já Ivan havia dividido sua comida com ele.
Ivan começou a dar os primeiros passos e o cão passou a segui-lo.
- Ih já vi que você não vai mais desgrudar de mim.Quer ir passar fome comigo? Então, vamos.
Ivan chegou na comunidade carregado de coisas.Levou o banco,o caminhão e muita comida.
Tinha o cão também que,pelo visto,passaria a fazer parte da família.
Quando chegou,seu filho já estava dormindo.O menino tinha pedido para a mãe que o acordasse quando o pai chegasse,pois estava ansioso pelo presente.
Ivan entregou o banco,bem como a comida para sua esposa esquentar,e foi procurar um papel bonito para embrulhar o presente do filho.
- Ivan,que cachorro é esse?
- Maria,ele veio me seguindo de lá da zona sul.Não pude fazer nada.
- Sabe que a gente não tem comida para alimentar mais uma boca,não sabe?
-Falei pra ele,mas ele quis vir assim mesmo.
- Ah Ivan! Cachorro não entende o que a gente fala.Você é que quis trazer ele.
Ivan conseguiu achar um papel colorido.Fez um bonito embrulho para o filho.
Maria esquentou a comida.Depois colocou tudo na mesa,inclusive os restos de doces.
- Tá parecendo ceia de gente rica.Obrigada meu Deus!
- Agradeça pra mim,também,pois eu é que fui buscar a nossa comida.
Enquanto falavam,o menino acordou.
Ivan já estava com o seu presente,nas mãos.E tratou logo de entregar para o filho.
O menino abriu rapidamente o presente e ficou tão feliz,que começou a chorar,pois o caminhão era exatamente do jeito que ele sonhara.
- Brigado,pai.É do jeitinho que eu sonhei.
- Não precisa chorar,filho.Você merece.Assim que o pai conseguir um emprego,vai poder comprar vários caminhões como esse aí pra você.
- E tem comida também,como o senhor prometeu.E esse cachorro?
- Ele me seguiu.Agora vai ficar com a gente.
- Oba! Adorei mais esse presente.
Os três sentaram-se e se deliciaram com toda aquela comida.O cão também teve uma noite de
abastança.
- Pai,o senhor ganhou toda essa comida? o senhor falou que não tem dinheiro.
- É quase isso,filho.Sobrou muita comida dos ricos da zona sul.Então,eles deixaram pros pobres.
- Ah entendi.Que bom,pai.
Enquanto isso,em um dos apartamentos do prédio da zona sul:
- Vocês viram aquele morador de rua revirando o nosso lixo? Vi daqui da janela.
- Ai,que nojo!
- Ele fazem uma bagunça! Fica, tudo revirado.
Enquanto no apartamento ao lado, Seu Baltazar fazia sua orações,pedindo por dias melhores para o mundo.
Parabéns, Andreia.
ResponderExcluirSeu conto vai direto ao coração...
Beijinhos.
Vera.
Obrigada, Vera. Beijos
ResponderExcluirMaravilhoso o jeito delicado que você mostra a ferida social. Parabéns!
ResponderExcluirFernão Monteiro
ExcluirObrigada, Fernão. Abraços!
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