ESPAÇO DE CULTURA

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sexta-feira, 28 de setembro de 2018

4º LUGAR - CONTOS - "NOCA" (Elenir Moreira Teixeira)

            Visitando a exposição do grande artista plástico italiano,Antônio Ferrigno,na Pinacoteca,do Estado de São Paulo,chamou-me especial atenção a tela intitulada  "Preta Quitandeira"(1893/1905).
Retrata uma preta gorda,com braços fortes,cheios de pulseiras,trazendo no pescoço muitos colares de contas e,na cabeça,um enorme e bem -arrumado turbante.Sentada no chão,sob um poste de luz,ela cochila,com a mão no queixo,os pés descalços e as sandálias espalhadas pelo chão.Ao seu lado, estendida sobre um largo espaço,há uma toalha com muitos frascos e potes.
             Motivou minha preferência,não,apenas,a riqueza dos detalhes e a beleza dos traços e das cores,mas,principalmente,por trazer-me,à lembrança,Noca,moradora do Morro de São Paulo,perto da minha casa,igualmente negra,gorda,sempre enfeitada com colares,pulseiras e turbante na cabeça.Todo dia ela desce o morro,pontualmente,às dezoito horas ,carregando,numa enorme cesta,muitos quitutes aromáticos e apetitosos:cuscuz;beiju;cocadas;pamonha;paçoca e outros,que prepara com muito cuidado e capricho.Coloca-os,também,numa alva toalha,sentando-se,após,no chão de cimento,a fim de esperar seus fregueses.Geralmente,são funcionários ao término do expediente;alunos e professores saindo do colégio e até pessoas que,nem sempre,passam por ali são atraídas pelo aroma e aspecto das guloseimas.Falante e simpática,ela atende a todos muito bem.
             Lembrava-me do dia em que,após duas semanas sem aparecer,Noca voltou diferente.Não reconhecia nela a criatura alegre,falante e ativa.Tal qual `"Preta Quitandeira", estava descalça,com os chinelos espalhados,a mão no queixo,muito triste e pensativa...
_ O que aconteceu com você? Levou tanto tempo afastada e,agora,volta com este rostinho triste!?-
Perguntei-lhe.
_ Ah, madame,estou muito triste mesmo,mas não quero incomodá-la com meus problemas .
_ Deixa disso, criatura! Faço questão de ouvi-la.Ainda falta algum tempo para o pessoal chegar. Aproveite e desabafe - Respondi-lhe.
_ Então,vou contar.preciso,se não arrebento! - Tomou coragem e começou:


Carlito,meu único filho,sempre me acompanhou em todos os momentos alegres ou tristes,desde que seu pai se mandou com uma negrinha assanhada que,também,morava no morro.Ele tinha,apenas, quatro aninhos e até arrumava a casa ,enquanto eu preparava os quitutes.Muitas vezes,já maiorzinho,ajudou-me a trazê-los no balaio pesado.Lembro-me dele voltando para casa alegre,após
fazer algum biscate,entregando-me todo o dinheiro recebido.
_ Este dinheiro é seu,meu filho - Eu dizia.
_ Não,mãe,é nosso. - Ele respondia.
Assim,vivíamos uma vida simples, mas com muito amor.
               Chegou a frequentar algumas aulas na escola da comunidade,mas não continuou.Dizia que sua cabeça não dava para o estudo.Tornou-se um rapagão e começou a frequentar um bar lá no morro.Eu lhe dava conselhos Não se misture com quem você não conhece.Não beba.Volte cedo para casa.Tá tudo bem,mãe,ele respondia.Eu entregava-o ao Senhor e vinha para o meu trabalho.Mas ele
passou a chegar cada vez mais tarde.Muitas vezes,cansada,eu já estava dormindo.Ele trocava o dia 
pela noite.Dormia de dia e voltava de madrugada.Antes,tão carinhoso,tornara-se agressivo.Não
procurava trabalho e vivia catando o meu dinheiro.Quando eu dizia contente que a féria foi boa,
perguntava-me logo "quanto eu vou ganhar?". Começou a faltar dinheiro na minha bolsa. Ele argumentava que eu não havia contado direito.
                A situação era essa quando,certa noite,bateram na porta.Abri e encontrei dois sujeitos mal
encarados dizendo que queriam falar com o Carlos.
_ O que vocês querem? - Ao ouvir o seu nome,ele veio nervoso e perguntou.
_ Viemos buscar você para um giro. - Responderam.
Assim como estava,de bermuda e chinelos,acompanhou-os.Antes de sair,beijou minha testa e
pediu-me que o abençoasse.Coisa que,há muito tempo,não fazia.Tive um pressentimento ruim.Sabia que meu filho não voltaria.E,assim,foi.Nem naquela noite,nem na outra,nem na outra.Decidi procurar Seu Alberto,um policial que mora no morro,e,ao chegar à sua casa,ele me disse que estava se preparando para ir falar comigo.Já aos prantos,perguntei:
_ meu Carlos está morto?
_Sinto! Encontraram o corpo no alto do morro,com algumas balas no peito - Respondeu-me.
                 Enterrei meu filho.Chorei durante duas semanas,pedi forças à Deus Para continuar o meu negócio e,aqui estou,de volta.


                 Os fregueses chegavam.Ela começou a atendê-los.Como sempre,falante e gentil,mas trazendo nos olhos a tristeza que jamais os deixaria.
                 Ao ouvi-la, pensei nos meus filhos,na minha casa e invejei sua força e coragem.

_ Senhora,já vamos fechar o Museu! - Advertiu-me o funcionário.
                 Tão distraída frente ao quadro,nem me dei conta de que era a única na sala.
                  Retirei-me.A Preta Quitandeira ali ficava na moldura.Noca seguia em meu pensamento.
 
4º LUGAR - POESIA - "VONTADE ATREVIDA" (Lenir Moura)

 Calma!

É o que eu ouço sempre.


Calma pra que¿


Prá viver¿ prá sonhar¿


Prá ser feliz¿

Prá quê tanta calma,

se a vida corre,o tempo passa,

as horas não param,


e o mundo se transforma¿

Prá quê calma 

se a vida me chama,o mundo me desafia,


e a vida é um grito que acorda meu dia¿

Prá quê calma

se os meus sonhos estão aí

fervilhando meu coração,


e se meus desejos de sorrir pra vida,


alimentam,essa minha sensação¿


Prá quê calma

se o frenesi da vida,abala minha estrutura


e a verdade mais pura,é que eu só quero viver¿


Calma prá que¿

se o amor me chama,meu corpo reclama

e o que eu entendo da vida

é essa vontade atrevida 
 

de me entregar a você¿