4º LUGAR - CONTOS - "NOCA" (Elenir Moreira Teixeira)
Visitando a exposição do grande artista plástico italiano,Antônio Ferrigno,na Pinacoteca,do Estado de São Paulo,chamou-me especial atenção a tela intitulada "Preta Quitandeira"(1893/1905).
Retrata uma preta gorda,com braços fortes,cheios de pulseiras,trazendo no pescoço muitos colares de contas e,na cabeça,um enorme e bem -arrumado turbante.Sentada no chão,sob um poste de luz,ela cochila,com a mão no queixo,os pés descalços e as sandálias espalhadas pelo chão.Ao seu lado, estendida sobre um largo espaço,há uma toalha com muitos frascos e potes.
Motivou minha preferência,não,apenas,a riqueza dos detalhes e a beleza dos traços e das cores,mas,principalmente,por trazer-me,à lembrança,Noca,moradora do Morro de São Paulo,perto da minha casa,igualmente negra,gorda,sempre enfeitada com colares,pulseiras e turbante na cabeça.Todo dia ela desce o morro,pontualmente,às dezoito horas ,carregando,numa enorme cesta,muitos quitutes aromáticos e apetitosos:cuscuz;beiju;cocadas;pamonha;paçoca e outros,que prepara com muito cuidado e capricho.Coloca-os,também,numa alva toalha,sentando-se,após,no chão de cimento,a fim de esperar seus fregueses.Geralmente,são funcionários ao término do expediente;alunos e professores saindo do colégio e até pessoas que,nem sempre,passam por ali são atraídas pelo aroma e aspecto das guloseimas.Falante e simpática,ela atende a todos muito bem.
Lembrava-me do dia em que,após duas semanas sem aparecer,Noca voltou diferente.Não reconhecia nela a criatura alegre,falante e ativa.Tal qual `"Preta Quitandeira", estava descalça,com os chinelos espalhados,a mão no queixo,muito triste e pensativa...
_ O que aconteceu com você? Levou tanto tempo afastada e,agora,volta com este rostinho triste!?-
Perguntei-lhe.
_ Ah, madame,estou muito triste mesmo,mas não quero incomodá-la com meus problemas .
_ Deixa disso, criatura! Faço questão de ouvi-la.Ainda falta algum tempo para o pessoal chegar. Aproveite e desabafe - Respondi-lhe.
_ Então,vou contar.preciso,se não arrebento! - Tomou coragem e começou:
Carlito,meu único filho,sempre me acompanhou em todos os momentos alegres ou tristes,desde que seu pai se mandou com uma negrinha assanhada que,também,morava no morro.Ele tinha,apenas, quatro aninhos e até arrumava a casa ,enquanto eu preparava os quitutes.Muitas vezes,já maiorzinho,ajudou-me a trazê-los no balaio pesado.Lembro-me dele voltando para casa alegre,após
fazer algum biscate,entregando-me todo o dinheiro recebido.
_ Este dinheiro é seu,meu filho - Eu dizia.
_ Não,mãe,é nosso. - Ele respondia.
Assim,vivíamos uma vida simples, mas com muito amor.
Chegou a frequentar algumas aulas na escola da comunidade,mas não continuou.Dizia que sua cabeça não dava para o estudo.Tornou-se um rapagão e começou a frequentar um bar lá no morro.Eu lhe dava conselhos Não se misture com quem você não conhece.Não beba.Volte cedo para casa.Tá tudo bem,mãe,ele respondia.Eu entregava-o ao Senhor e vinha para o meu trabalho.Mas ele
passou a chegar cada vez mais tarde.Muitas vezes,cansada,eu já estava dormindo.Ele trocava o dia
pela noite.Dormia de dia e voltava de madrugada.Antes,tão carinhoso,tornara-se agressivo.Não
procurava trabalho e vivia catando o meu dinheiro.Quando eu dizia contente que a féria foi boa,
perguntava-me logo "quanto eu vou ganhar?". Começou a faltar dinheiro na minha bolsa. Ele argumentava que eu não havia contado direito.
A situação era essa quando,certa noite,bateram na porta.Abri e encontrei dois sujeitos mal
encarados dizendo que queriam falar com o Carlos.
_ O que vocês querem? - Ao ouvir o seu nome,ele veio nervoso e perguntou.
_ Viemos buscar você para um giro. - Responderam.
Assim como estava,de bermuda e chinelos,acompanhou-os.Antes de sair,beijou minha testa e
pediu-me que o abençoasse.Coisa que,há muito tempo,não fazia.Tive um pressentimento ruim.Sabia que meu filho não voltaria.E,assim,foi.Nem naquela noite,nem na outra,nem na outra.Decidi procurar Seu Alberto,um policial que mora no morro,e,ao chegar à sua casa,ele me disse que estava se preparando para ir falar comigo.Já aos prantos,perguntei:
_ meu Carlos está morto?
_Sinto! Encontraram o corpo no alto do morro,com algumas balas no peito - Respondeu-me.
Enterrei meu filho.Chorei durante duas semanas,pedi forças à Deus Para continuar o meu negócio e,aqui estou,de volta.
Os fregueses chegavam.Ela começou a atendê-los.Como sempre,falante e gentil,mas trazendo nos olhos a tristeza que jamais os deixaria.
Ao ouvi-la, pensei nos meus filhos,na minha casa e invejei sua força e coragem.
_ Senhora,já vamos fechar o Museu! - Advertiu-me o funcionário.
Tão distraída frente ao quadro,nem me dei conta de que era a única na sala.
Retirei-me.A Preta Quitandeira ali ficava na moldura.Noca seguia em meu pensamento.
ESPAÇO DE CULTURA
sexta-feira, 28 de setembro de 2018
4º LUGAR - POESIA - "VONTADE ATREVIDA" (Lenir Moura)
Calma!
É o que eu ouço sempre.
Calma pra que¿
Calma!
É o que eu ouço sempre.
Calma pra que¿
Prá viver¿ prá sonhar¿
Prá ser feliz¿
Prá quê tanta calma,
se a vida corre,o tempo passa,
as horas não param,
e o mundo se transforma¿
Prá quê calma
se a vida me chama,o mundo me desafia,
e a vida é um grito que acorda meu dia¿
Prá quê calma
se os meus sonhos estão aí
fervilhando meu coração,
e se meus desejos de sorrir pra vida,
alimentam,essa minha sensação¿
Prá quê calma
se o frenesi da vida,abala minha estrutura
e a verdade mais pura,é que eu só quero viver¿
Calma prá que¿
se o amor me chama,meu corpo reclama
e o que eu entendo da vida
é essa vontade atrevida
de me entregar a você¿
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