ESPAÇO DE CULTURA

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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

5º LUGAR - CONTOS - "O HOMEM DA INTERROGAÇÃO" (Hilário Francisconi)

          Desejo confessar-lhe,caríssimo leitor,que poucas histórias,dentre tantas consignadas no rol das narrativas de terror,influenciaram,de maneira aterradora,o meu espírito indefeso e expectante como a que,adiante,eu lhe apresento.Devo registrar,contudo,que tal assombramento deve-se ao fato de o personagem envolvido neste conto pertencer ao círculo de minhas amizades,fato esse que em muito contribuiu para classificar esta história entre as poucas que,como disse aterrorizaram-me.

         Tenho por Garcia uma amizade que perdura desde a nossa adolescência,mas foi somente nestes tempos de meia idade que ele resolveu relatar o que,surpreendentemente, sucedera-lhe aos vinte e cinco anos.

         Tivesse eu tomado ciência do presente relato nos anais de suspense, talvez me confessasse incrédulo ,mas, creiam-me, não vindo dele - meu amigo sincero e em quem sempre depositara confiança.Eu o ouvi,fiz anotações e agora publico, com o seu consentimento e conforme este meu sucinto e assustado estilo, o que lhe sucedeu e que tanto estremeceu o espírito.

        Garcia não fora,nos tempos colegiais,um menino extrovertido.Ao contrário,recluso e meditativo,
não era comum partilhar sua vida com o reduzido grupo de amigos.Era "fechado" em si mesmo,como se dizia, mas nem por isso dele desgostávamos.Apenas não falava além do estritamente necessário, mas isto, reconheço,será sempre uma vantajosa virtude.

        Recordo-me bem,o menino Garcia era um estudante insatisfeito.Com tudo e consigo mesmo.
Acabrunhado, sempre fora uma personalidade em busca de uma estrutura psíquica que o diferenciasse de sua essência primordial.Garcia era,a um tempo,ele mesmo e outro,ainda que ignorasse,à luz de sua consciência, a razão de ser daquele outro que procurava em si mesmo.

        Ao completar vinte e cinco anos,portanto trinta e cinco antes de relatar-me o ocorrido,Garcia
deixou terminantemente  de mirar-se nos espelhos.Conseguira ocultar o seu segredo,por longo período, sem que jamais o suspeitássemos.O seu horror era particular;as suas dores,mortais e solitárias 

        Enfim,aconteceu que,certa noite,enclausurado em seu cômodo de dormir,deixou a poltrona em que costumava concentrar-se em sinistros rituais à luz de um pequeno abajur,dirigiu-se ao corredor da casa,já mergulhada na escuridão,empurrou com lúgubre silêncio a porta a porta do lavabo e acendeu uma luz frouxa que,de imediato, salientou disformes sombras nas paredes.Então,mortificado por pensamentos e desejos mórbidos, morou-se no vetusto espelho. Tomado  de  pavor e de arrependimentos,notou que aquele de quem aguardava refletir-lhe a própria figura não era senão,e
   unicamente, um tronco humano com seus membros, cujo espaço vazio de onde se esperava um rosto ressaltava um gigantesco e desfigurado ponto de interrogação.

Um comentário:

  1. Gostei do conto, Hilário! Tem um certo suspense e termina de forma interessante!

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